O telemóvel toca, olho o número, estremeço e penso: Não!!!!
O coração bate tão forte que estou segura que todos em meu redor o ouvem.
Desloco-me por aquele corredor frio como se pairasse, ladeada por duas amigas.
Sei ao que vou, sei o que vou ouvir. Não me vergo, mantenho a cabeça erguida e o tronco firme. Eu aguento.
Sou convidada a sentar-me e sou esbofeteada, pela palavra, por alguém a quem chamam de médico. Está confirmado: morreste-me.
Assim, simples. O coração continua a bater forte e as amigas abraçam-me com tudo o que são e me podem dar. Morreste-me.
Sou engolida pela necessidade de anunciar que te foste e pela preparação, possível, dos rituais da morte que adiam o início do meu luto.
Volto sozinha para a nossa casa. Procuro-te em cada recanto e não te encontro. Ainda te cheiro, mas não te sinto mais.
Fecho-me, choro e grito sozinha. Já não quero abraços. Revejo fotografias e filmagens. Entrego-me à dor, à zanga e à revolta. Volta!! Volta!!!
Passei os meses seguintes a chorar, em silêncio, quando na presença de outros e a gritar a minha dor em noites de solidão que pareciam intermináveis.
Agora sinto os dias a sucederem-se e parece que eu não morri. Descobri que quero viver.
A metamorfose do amor permitiu que vivas em mim e libertou-me para a vida.
Libertou-me para a magia da vida, dos amores e para a panóplia de cores que esta oferece aos audazes, aos sedentos e sonhadores. Aos que se recusam a desistir da felicidade.
Sobrevivi-te. Agora quero voltar a viver.
Nota: Crónica dedicada a todas as pacientes que perderam os seus companheiros.
Publicado a 23/07/2021 no Diário do Distrito